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LAG Blog

Writer's pictureArchie Davies

Traduzindo Beatriz Nascimento em 2021


Esta é a primeira postagem em nossa série sobre Publicações Recentes. Caso quiser apresentar, discutir e promover algum trabalho recente, contate os editores do blog em lagukblog@gmail.com.



Porque não somente o fato de existir essa vivência e fazê-la mais bela, mais feliz.

Beatriz Nascimento


Ao pensar geograficamente sobre a América Latina, a tradução é uma necessidade básica e cotidiana. Não só para aqueles cuja língua materna é o inglês, mas para todos. A América Latina hispanófone tem que traduzir continuamente as Américas lusófones, as Américas quíchuas, as Américas aimarás e uma miríade de outras Américas para si mesma. E vice-versa. A questão não é traduzir, mas qual posição assumimos em relação às nossas traduções necessariamente contínuas e o que significa esse constante processo.

Uma parte desse complexo caleidoscópio de trabalho linguístico, também discutido por Matt Richmond neste blog, é traduzir textos escritos sobre e da América Latina para línguas faladas fora do continente. Este processo está cheio de intenções e implicações políticas. Isto levanta problemas de primazia linguística e, em particular, a hegemonia do inglês. Todavia, a língua inglesa permanece, ao menos por enquanto, um idioma privilegiado para comunicação em contextos acadêmicos e além. É, assim, um fato que escritores e pensadores da América Latina cujos trabalhos não foram traduzidos para o inglês possuam um público potencial mais limitado, não apenas no mundo anglófono como tal, mas em contextos internacionais de intercâmbio intelectual. Isto posto, as ideias transformadoras dos teóricos latino-americanos devem ser traduzidas para o inglês.


Foi com esse comum compromisso que meus colaboradores, Christen Smith e Bethânia Gomes, e eu começamos a trabalhar em um projeto de tradução, em um primeiro momento, na obra de Beatriz Nascimento (1942-1995) para a língua inglesa. Os primeiros frutos deste trabalho acabaram de ser publicados, com acesso aberto, na revista Antipode.


Beatriz Nascimento foi uma militante do Movimento Negro Brasileiro a partir dos anos 1960 até 1990. Ela foi poeta, socióloga, cineasta e ensaísta. Ela também é uma chave fundamental de inspiração teórica para Christen como antropóloga escrevendo sobre negritude, performance, libertação e violência no Brasil, e para sua filha, Bethânia, em sua prática como bailarina, coreógrafa e professora em Nova York. Eu encontrei o seu trabalho em minha própria tentativa de escrever sobre as geografias históricas de Recife, no Nordeste do Brasil, pensando por meio das práticas espaciais de resistência e libertação de comunidades urbanas marginalizadas.


Esperamos que os textos traduzidos na Antipode ajudem a apresentar à obra de Beatriz Nascimento para um público mais amplo. Isto vai levantar tantas perguntas quanto respostas. Como o de muitos acadêmicos e militantes negros, o trabalho de Beatriz Nascimento continua sendo pouco reconhecido no Brasil, mas isso está mudando. Alguns de seus trabalhos permanecem inéditos, contudo, muito tornou-se acessível com a excelente biografia e coleção Eu Sou Atlântica de Alex Ratts e, mais recentemente, com a impressionante coleção organizada pela União dos Coletivos Pan-Africanistas, Possibilidade nos dias da destruição. À medida que continuamos a trabalhar com a tradução de sua obra, encontramos não apenas um testemunho único da luta negra do século XX no Brasil, mas uma constelação de percepções teóricas e provocações políticas com profunda relevância para os debates atuais sobre raça, gênero, espaço e política.


Foi difícil selecionar os dois ensaios para publicar pela primeira vez em inglês. Estávamos tentados a escolher um dos textos o qual intervém diretamente nos debates sobre a negritude e a consciência racial, como seus notáveis ensaios "Por Uma História do Homem Negro" ou "Acerca da Consciência Racial". Mas decidimos, em vez disto, prover uma ideia de sua realização por meio de dois textos. Um que captura sua abordagem acadêmica para os quilombos (comunidades de ex-escravos fugitivos) – o tema central de sua pesquisa ao longo de décadas – e que apresenta um estilo diferente de escrita e pensamento. Este último, "Por um Território (Novo) Existencial e Físico" é mais evasivo, porém mais belo. Nele, Beatriz Nascimento narra seu próprio processo de pensamento, refletindo sobre seu retorno à vida acadêmica, seu compromisso político, sua leitura da filosofia europeia e sua compreensão da história. Seu tom parece apropriado ao nosso tempo.


Em 1988, três meses após o Centenário da Abolição da Escravatura no Brasil, vislumbrei que, para existirmos neste mundo adverso, teríamos que buscar aventuras de vida mais volátil, leves e misteriosas, como alguns animais. Se tivermos realmente que influenciar as mudanças que se processam na trajetória da Humanidade, não teríamos que colocar nossa "violência" como uma reprodução, filha do ressentimento, de recalque, de vingança sem objetivos. Seria melhor naquele e neste momento que fossemos misteriosos, soturnos, noturnos, que exercesse aquele fascínio do sinistro próprio dos vampiros. Como eles, extraímos a seiva da potência da vida não com o confronto, e sim desviando-nos dos obstáculos terríveis impostos pela face perversa do regime opressivo do Capital [...] Neste país, minha não é poder, mas tem outras expressões tão ou mais importante que isso. Por que um Rock, não poderia ser uma contaminação à estrutura do poder. Porque não somente o fato de existir essa vivência e fazê-la mais bela, mais feliz.

Nós estamos vivendo um momento de crise profunda – seja no Brasil ou pela Europa, e nos Estados Unidos. É hora de ser misteriosos, soturnos, noturno. Porém, Beatriz Nascimento oferece possibilidades nos dias de destruição. Sua vida e práxis podem ser uma fonte de inspiração, e sua escrita traceja um caminho pela noite.




Traduzido por Pietra Cepero-Rua-Perez

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