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  • Writer's picturePietra Cepero Rua Perez

Número recorde de prefeitos e vereadores indígenas eleitos na Amazônia brasileira em 2020

Updated: Dec 16, 2020

Pietra Cepero Rua Perez (doutoranda em Geografia Humana pela Universidade de Durham)


No dia 15 de novembro ocorreram as eleições municipais no Brasil, em que objetivou-se a ocupação de cargos de prefeitos e vereadores. O Centrão (bloco de partidos políticos de centro-direita que, em parte, apoia o governo de Jair Bolsonaro) venceu 45% das disputas para prefeito – revelando uma continuação da recente virada conservadora no país. Contudo, os resultados parciais (excluindo os dados do segundo turno, realizado apenas nos 57 maiores municípios) também registram o maior número de candidaturas indígenas da história do Brasil, com o grande destaque da região da Amazônia Legal – onde é formada pelos estados do Maranhão, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Roraima e Amazonas (Mapa 1). Ao todo foram eleitas 237 candidaturas indígenas de 71 povos no primeiro turno para cargos municipais em 2020, em 127 municípios de 24 estados da federação. Desse total, 215 indígenas ocuparão o cargo de vereador, dez serão prefeitos e 12, vice-prefeitos. Isto representa um aumento de 29% desde 2016, quando 169 vereadores, seis prefeitos e dez vice-prefeitos indígenas foram eleitos. O que explica esse aumento dramático na representação política indígena?


Amazônia Legal (fonte)


Em parte, o sucesso eleitoral deste ano reflete um aumento semelhante no número de povos indígenas que concorrem a cargos públicos. Uma comparação entre os dados de 2016 mostra que 27% a mais de candidatos indígenas concorreram para eleições em 2020, de 1.715 candidaturas em 2016 para 2.215 em 2020. Entretanto, os indígenas ainda são um grupo social com pouca representação nas disputas eleitorais, em 2016, de um total de 469.010 candidatos, 0,35% eram indígenas. Este ano, houve um pequeno aumento: para 0,4% de 539.000 candidatos.


Dados disponibilizados pela Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira (COIAB) também mostram uma forte tendência regional. A região da Amazônia Legal contabilizou o maior número, foram 116 candidaturas de 45 povos escolhidas em 55 municípios de nove estados. Do total das 116 candidaturas indígenas, 21 são de mulheres, e os eleitos ocuparão quatro cargos para prefeito, nove vice-prefeitos e 103 vereadores.


No Amazonas, (estado com mais indígenas autodeclarados) 46 candidaturas indígenas foram escolhidas – e, um quarto deste total pertence a São Gabriel da Cachoeira (município no Brasil com maior percentual de indígenas), onde seus cidadãos escolheram candidatos indígenas como o prefeito, a vice-prefeita, e dez do total de 13 vereadores. É, também, notável a eleição de 17 representantes indígenas no estado de Roraima – como consequência da reação indígena devido às recentes políticas fundiárias as quais implicaram na divisão da Terra Indígena (TI) da Raposa Serra do Sol. O município de Uiramutã, cujo território é em parte ocupado pela TI, elegeu representantes indígenas para os cargos de prefeito, vice-prefeito e 6 de 9 vereadores. O Acre (com 12 indígenas) e o Mato Grosso (com 11 indígenas) também se destacaram pelo sucesso das candidaturas indígenas. Em outras palavras, os candidatos indígenas que concorreram a cargos legislativos, foram eleitos em locais com alta população indígena. Mas por que isso está acontecendo agora?


A história de ocupação indígena em cargos do legislativo é uma marca da história de chamada Nova Democracia no Brasil, viabilizada pela promulgação da Constituição de 1988. Este texto reconheceu, de maneira inédita, o direito ao território para as populações originárias, bem como o reconhecimento dos direitos fundiários de camponeses e populações remanescentes de quilombo. Embora, seja importante apontar que houve uma história anterior de resistência e articulação política desde o período da ditadura militar (1964-1985). Sobretudo na Amazônia, os indígenas e camponeses passaram a ter que resistir e lutar por território em face ao projeto modernizador da ditadura militar. As terras amazônicas foram ocupadas para a construção de barragens e estradas, projetos agrícolas e de mineração, ou simplesmente para grilagem e especulação fundiária.


Como reação a este cenário, nas últimas quatro décadas, ocorreu a formação e organização políticas – tal como a articulação inédita entre indígenas e camponeses consolidada na Aliança dos Povos da Floresta em 1985. Desde os anos 1970, os povos indígenas amazônicos têm seguido uma estratégia de via dupla: a invenção de novos direitos sociais e fundiários – consagrados na Constituição de 1988 – e, a ocupação de espaços políticos, em especial, na esfera legislativa. O primeiro representante indígena foi eleito em 1969, quando Manoel dos Santos, do povo Karipuna, tornou-se vereador na cidade de Oiapoque, no Amapá.


Nas últimas três décadas, a estratégia política indígena tem sido marcada pela luta pela efetivação e defesa dos direitos garantidos aos povos indígenas na Constituição de 1988. No texto é estabelecido que o direito dos indígenas ao território é de natureza originário - isto é, ele precede a própria criação do Estado, e este tem o dever de reconhecer e demarcar as terras ocupadas por povos indígenas. Além disso, no texto é enunciado que as populações originárias devem ter o direito à diferença (rejeitando-se a ideia de que estas populações deveriam ser assimiladas à sociedade brasileira), e o acesso às políticas de cidadania, como educação, saúde e infraestrutura. A partir dos anos 1990, os indígenas passam aos poucos a ocuparem espaços políticos, como uma forma de possibilitar um caminho para a implementação de direitos reconhecidos e conquistados.


Desde 2014, quando a Bancada Ruralista começa a articular um grande ataque institucional aos direitos indígenas, as populações indígenas passam a ser mais incisivas na necessidade de criarem novas lideranças para ocuparem o legislativo e o executivo. Ademais, as gerações mais novas passaram a frequentar espaços do movimento indígena, e acessar ao sistema educacional em todos os níveis, fatos estes os quais também contribuíram para a formação de um novo quadro político indígena. Na eleição de 2018, houve uma inédita participação de lideranças femininas indígenas, culminando na candidatura a vice-presidência de Sonia Guajajara, e na eleição de Joênia Wapichana para o cargo de deputada federal representando o estado de Roraima.


Acampamento Terra Livre em Brasília, 2017 (fonte)


Em outras palavras, a eleição deste ano poderia ser situada dentro de uma tendência política mais longa no movimento indígena. Todavia, o resultado eleitoral de 2020 também é consequência do contexto imediato: pode ser visto como uma resposta à recente guinada autoritária no Brasil, após a eleição do presidente Jair Messias Bolsonaro. Desde a sua campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro questiona a validade dos direitos indígenas e a demarcação de suas terras. Há quase dois anos os processos de reconhecimento e demarcação encontram-se parados, e as políticas dos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente, e de Minas e Energia vem concretizando um cenário de desmatamento ilegal, queimadas, grilagem, mineração ilegal e violação de direitos humanos em territórios indígenas.


Ademais, desde o início da pandemia de Covid-19, os povos indígenas têm se mostrado extremamente vulneráveis ao vírus. Os dados mais recentes divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas (APIB) contabilizam 40642 casos confirmados, 884 óbitos e 161 povos afetados pelo Corona vírus. O negacionismo do governo federal em face à pandemia, os seus ataques aos direitos indígenas, e a disseminação do garimpo ilegal em terras indígenas, têm sido os principais agentes da disseminação do vírus em terras indígenas.

Os indígenas, além de denunciarem a atual situação, passam a construir novos caminhos políticos ao elegerem as candidaturas de seus parentes. A urgência de defender os direitos indígenas reconhecidos e os direitos humanos é clara, e representa um contexto importante para compreender o sucesso dos candidatos indígenas nas eleições municipais deste ano.


Agradecimento

As primeiras versões deste texto se beneficiaram de comentários e sugestões generosos de minha orientadora de doutorado, Dra. Penelope Anthias.


Referências consultadas


APIB. Eleições 2020: número de indígenas eleitos é o maior da história do Brasil. Disponível em < https://apiboficial.org/2020/11/17/eleicoes-2020-em-contagem-parcial-apib-mapeia-159-candidatos-indigenas-eleitos/ > acessado em dezembro de 2020.


COIAB. Eleições 2020: 116 candidaturas indígenas foram eleitas na Amazônia. Disponível em < https://coiab.org.br/conteudo/elei%C3%A7%C3%B5es-2020-116-candidaturas-ind%C3%ADgenas-foram-eleitas-na-amaz%C3%B4nia-1605910913730x631991913576923100> acessado em dezembro de 2020.

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